Kamou Giuseppe Gedu nasceu sob o sol escaldante da extinta África Italiana, numa Eritreia de poeira avermelhada e destinos incertos. Seu pai? Um nome em um documento de alistamento militar, uma sombra evaporada nos conflitos do império que nunca foi. Partiu antes mesmo de ver o filho e jamais voltou – se foi por glória ou pelo esquecimento, ninguém sabe. A guerra leva homens e não costuma devolvê-los.
A mãe, mulher de fibra e sonhos inquebrantáveis, o trouxe ao Brasil, o país onde tudo se mistura – cores, crenças e contradições. Aqui, Kamou trocou os ecos da língua italiana pelos sussurros doces do português, que descobriu ser uma língua mestiça, cheia de sombras africanas e disfarces europeus. “Ninguém nunca me perguntou que língua eu sonhava”, ele escreveria mais tarde, em um de seus ensaios.
Kamou G. Gedu não se limitou a um só rótulo. Não era apenas africano, italiano ou brasileiro. Ele era um cidadão das palavras, um peregrino da identidade, um pensador que dançava entre culturas como quem dança entre mundos. Para ele, a história era um campo de batalha onde venciam os que ousavam lembrar – e Kamou lembrava de tudo.
Escreveu sobre a esperança, mas sem ilusões. Falava de miscigenação, mas sem a ingenuidade dos que pensam que a mistura apaga cicatrizes. Destacava a beleza do Brasil, mas sem se esquecer das suas contradições. “Aqui todos se dizem iguais, mas nem todos têm o mesmo direito de tomar chá às cinco e chamar isso de merecido descanso”, ironizava.
Seus escritos eram esparsos, mas precisos. Ora encontrados em jornais amarelados por bibliotecas esquecidas, ora emergindo do nada nas redes digitais, como um sussurro do passado que ainda faz eco no presente. Recusava títulos e louvores – “Me chamam de filósofo, mas tudo que faço é pensar alto”, dizia.
Kamou Gedu falava de história como quem sussurra segredos ao vento. Ele acreditava que o Brasil era um experimento grandioso de humanidade – um lugar onde o caos, a beleza e a contradição se entrelaçavam numa dança sem fim. “A miscigenação dos brasileiros renova a esperança na raça humana”, insistia, não como quem acredita cegamente, mas como quem desafia o futuro a provar o contrário.
Morreu? Talvez. Ou talvez apenas tenha desaparecido, como seu pai, deixando para trás palavras que não sabem envelhecer. Kamou Gedu vive nas frases que escapam do esquecimento, nos ensaios encontrados ao acaso, nas discussões que ainda não foram encerradas.
Pensador livre. Errante das ideias. Incapaz de pertencer a apenas um tempo ou lugar.
Prepare-se para rir, pensar e se perder. O Teatro da Incerteza é mais do que uma peça em forma de livro — é um labirinto encenado, um convite à deliciosa arte de duvidar. Com personagens que dançam entre sombras e luzes como ideias em conflito, este romance teatral conduz o leitor por cenas cômicas e reflexivas, onde o óbvio se desfaz e a verdade é um personagem caprichoso que nunca entra em cena
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